Friday, July 6, 2007



COCHE DA COROA

Séc. XVIII (início)

Viatura de aparato

Trabalho francês executado em Paris

Inv. nº. 7


Integrou o cortejo da embaixada que o Rei de

Portugal enviou em 1715, de Luís XIV, sendo

embaixador o Conde da Ribeira Grande.

De regresso a Portugal o coche passou a ser

utilizado pelo Rei.


Como símbolo do Poder Real, o tejadilho está

encimado por uma coroa e apresenta figuras

de dragões alados representando a Casa de

Bragança.


O exterior profusamente decorado com talha

tem, nas quatro pilastras dos cantos da caixa,

figuras alusivas aos quatros continentes, nos

painéis principais os escudos das armas reais.


O interior de grande luxo, é revestido a brocado

verde e ouro e o piso ou parsevão é revestido a

tartaruga e bronze recortado na técnica dos

trabalhos de André-Charles Boulle (1642-1732).


O jogo do rodado também está decorado com

talha, as molas de suspensão têm resguardos,

com figuras de meninos em bronze dourado

sobre armas numa alegoria à Paz e as fivelas

das correias em bronze cinzelado, têm

esculpidas cabeças de leão e dragões alados.





MUSEU NACIONAL DOS COCHES - CONT.



COCHE DO PAPA CLEMENTE XI

Séc. XVIII (início)

Viatura de aparato

Trabalho italiano executado em Roma

Inv. nº. 8

Dim: 658x228x227 cm


Oferecida pelo Papa ao rei de Portugal D. João V, em

1715, com as "Faixas Bentas" destinadas ao baptismo

do príncipe primogénito D. José.


Primeiro carro de origem italiana ao serviço da Casa

Real Portuguesa.


No exterior, caixa aberta dita à Romana decorada com

a representação dos 4 continentes.


Nos apainelados estão pintadas cenas mitológicas. No jogo

traseira 4 Cariátides, evocando as estações do ano, ladeiam

a figura de um menino empunhando um coração flamejante

símbolo do Afecto.


O jogo do rodado está ornamentado com talha.


As molas de suspensão são resguardadas por placas de

bronze decoradas com uma pequena figura de menino

que segura o escudo das armas de Portugal.


Uma grande concha puxada por dois cavalos marinhos

serve de apoio aos pés do cocheiro. Os aventais das

portas apresentam as armas de D. Pedro V que utilizou

este coche no seu casamento (1858).


MUSEU NACIONAL DOS COCHES - CONT.



COCHE DA EMBAIXADA AO PAPA

CLEMENTE XI - Dos Oceanos


Séc. XVIII (1716)

Carro triunfal.

Trabalho italiano executado em Roma.

Inv. nº. 11

Dim: 720x255x337 cm


Fazia parte do conjunto de 5 coches temáticos e 10

de acompanhamento que integraram o cortejo da

Embaixada enviada pelo Rei D. João V ao Papa, em

1716, como ponto alto da ostentação da magnificência

do Poder Real, de quem dominava um vasto império.


No exterior a caixa aberta, dita à Romana, é revestida

a veludo de seda vermelho, com aplicações bordadas a

fio de ouro enquanto o interior está forrado a brocado

de ouro.


O alçado traseiro desenvolve um trabalho de talha,

provavelmente projecto de artistas portugueses ou

estrangeiros residentes em Portugal e retrata um

episódio da história marítima portuguesa, a ligação

do Oceano Atlântico com o Oceano Índico, é glorificado

por Apolo, ladeado pelas figuras da Primavera e do

Verão, enquanto a seus pés dois velhos, dão as mãos,

simbolizando a ligação por entre dois mundos com a

passagem do Cabo da Boa Esperança.


Entre 1995 e 1998 o coche foi profundamente

restaurado. A intervenção foi feita, utilizando técnicas

da época, nas madeiras (esculturas, rodados e banqueta

central), na douradura, nos têxteis (veludos, bordados,

sedas, cortinas, almofadas), nos couros e nos metais.


No livro de Lucas Chracas, escritor italiano que em 1716,

relatou minuciosamente o acontecimento, as viaturas e

seus aparatos, ajudou à fidelidade do restauro.



Thursday, July 5, 2007

MUSEU NACIONAL DOS COCHES - (CONT.)



COCHE DA EMBAIXADA AO PAPA

CLEMENTE XI - DO EMBAIXADOR


Séc. XVIII (1716)

Carro triunfal

Trabalho italiano executado em Roma

Inv. nº. 9

Dim: 677x245x358 cm


Fazia parte do conjunto de coches temáticos e

10 de acompanhamento que integraram o cortejo

da Embaixada enviada pelo Rei D. João V ao

Papa, em 1716.


A decoração glorifica o Rei de Portugal, Senhor

da Navegação e foi nele que o embaixador

D. Rodrigo Anes de Sá Menezes, Marquês de

Fontes, fez a sua entrada solene junto da Santa

Sé.


O exterior apresenta caixa aberta, revestida a

tela de ouro, com esculturas de talha dourada,

com símbolos representando entre outros a

Navegação e a Conquista, as duas facetas dos

descobrimentos.


O interior é forrado a tela de ouro e piso interior

ou parsevão é incrustado a ébano e marfim.


No jogo do rodado, na dianteira a figura de

Sileno, ladeado por Minerva e Esperança,

na traseira Tétis. « Navegação » desenha rotas

num globo enquanto um tritão que emerge das

águas segura uma agulha de marcar.


Ao centro a figura do Adamastor simbolizando

os perigos porque passaram os portugueses.





MUSEU NACIONAL DOS COCHES - CONT.



COCHE DA EMBAIXADA AO PAPA CLEMENTE XI -

- DA COROAÇÃO DE LISBOA


Sec. XVIII (1716)

Carro Triunfal

Trabalho italiano executado em Roma

(inv. nº. 10)

Dim: 728x246x325 cm


Fazia parte do conjunto de cinco coches temáticos e

dez de acompanhamento que o Cortejo da Embaixada

enviada pelo Rei D. João V ao Papa, em 1716. Alusivo

ao tema da coroação de Lisboa, Capital do Império,

vitoriosa na defesa da Fé Cristã.


O exterior apresenta caixa aberta forrada a seda

vermelha, decorada com esculturas de talha dourada,

em estilo barroco.


No jogo dianteiro apresenta uma alegoria em que um

génio parece conduzir o carro, tendo a seu lado as figuras

simbólicas do Heroísmo e da Imortalidade.


No cabeçal, do jogo traseiro a figura de Lisboa coroada

pela Fama e pela Abundância que segura uma elegante

cornucópia de flores e frutos.


Aos pés de Lisboa, o dragão alado, símbolo da Casa

Real, quebra o crescente muçulmano, perante a

figura de dois escravos agrilhoados representam a

África e a Ásia.


O interior é forrado a seda vermelha com decoração

a amarelo e motivos florais a fio de ouro.

MUSEU NACIONAL DOS COCHES - CONT.



COCHE DE D.JOÃO V

Séc. XVIII (1ª. metade)

Viatura de aparato

Trabalho português

Inv. nº. 12

Dim: 641x215x342 cm


Mandado construir pelo rei D. João V

para a casa Real Portuguesa este coche

serviu no Séc. XIX, para as visitas de

Chefes de Estado estrangeiros a

Portugal.


A caixa, apresenta linhas sinuosas numa

movimentação ondulante, prenúncio do

estilo rocaille.


O trabalho de talha dourada é atribuído ao

escultor José de Almeida (1700-1769), em

colaboração com seu irmão Félix Vicente de

Almeida, entalhador da Casa Real.


Nos painéis da caixa as pinturas são

atribuídas a José da Costa Negreiros,

discípulo de Andre Conçalves ou ao pintor

francês Pierre Antoine Quillard. Os painéis

laterais e portinholas apresentam

tratamento das madeiras em bombé

(abaulado).


Por toda a estrutura do coche, tanto nos

trabalhos de madeira, como nos de bronze

cinzelado, aparecem cabeças de jovens

conhecidas por espagnolettes.


O jogo rodado também está recoberto a

talha, nas molas de suspensão aparecem

as espagnolettes e nas rodas o 12 signos

de Zodíaco.






MUSEU NACIONAL DOS COCHES - CONT.



COCHE D.JOSÉ I


Séc. XVIII (2ª. metade)

Viatura de aparato.

Trabalho português

(Inv. nº. 22)

Dim. 642x225x298 cm.


Construído para o Rei D. José, enaltece

a força do Poder Real, figurado através

da representação da águia.


Na decoração exterior sobressai a

exuberante simbiose dos estilos Luís XIV

e Luís XV, numa interpretação de cunho

português.


A obra de talha a ouro e vermelho

admite-se ser da autoria dos escultores

José de Almeida e Félix Vicente de Almeida

e é um riquíssimo trabalho de decoração

com mascarões, volutas, atlantes, grinaldas

de flores e frutos, génios alados e cabeças

humanas de feições marcadamente

ameríndias, numa evocação do contacto

português com outras partes do mundo.


A pintura no alçado superior traseiro, é

atribuída a Cirilo Volkmar Machado

(1748 -1827), pintor português que

estudou em Roma e foi nomeado pintor

do Príncipe Real.

O interior é em veludo vermelho lavrado,

no tecto armas reais portuguesas.



(Cont.)

MUSEU NACIONAL DOS COCHES - LISBOA




Coche de D.Maria Francisca Benedita


Sec. XVIII (2ª.metade)

Viatura de aparato.

Trabalho português

Inv. nº. 63

Dim. 620x156x281 cm


Terá sido construído, em 1777 para o

casamento da princesa D. Maria Francisca

Benedita, irmã da rainha D. Maria I, com o

seu sobrinho o príncipe D. José.


No exterior apresenta caixa fechada com

janelas de vidro, com trabalho de talha

estilo rococó, com volutas, concheados e

elementos vegelatistas.


Os apainelados estão decorados com

pinturas atribuídas a Pedro Alexandrino

de Carvalho (1730 - 1890).


O interior está revestido de veludo sobre

fundo de cetim esverdeado com decoração

floral de grandes dimensões.


«Esta descrição sobre o Museu Nacional

dos Coches (em Belém - Lisboa), tem

cont.»




Tuesday, July 3, 2007



Mágoa - Miguel Torga



MÁGOA


Medas de trigo ao sol - Agosto

Tudo o calor do Sonho amadurece;

Só a verdade amargura do meu rosto

Permanece !


Até me lembro que não sou da vida !

Que não pertence á terra esta tristeza ...

Que sou qualquer desgraça acontecida

Fora do seio-mãe da natureza.


E contudo não sei de criatura

Que mais deseje ter esta alegria

De um fruto azedo que arrancou doçura

Do céu, das pedras e da luz do dia.


MIGUEL TORGA




« Ninguém pode pronunciar-se acerca da sua

coragem quando nunca esteve em perigo »

François La Rochefoucauld



Monday, July 2, 2007


O macaco declamando - Bocage



O MACACO DECLAMANDO


Um mono, vendo-se um dia

Entre brutal multidão,

Dizem que lhe deu na cabeça

Fazer uma pregação.



Creio que seria o tema

Indigno de se tratar;

Mas isto pouco importava,

Porque o ponto era gritar.



Teve mil vivas, mil palmas,

Proferindo à boca cheia

Sentenças de quinze arrobas,

Palavras de légua e meia.



Isto acontece ao poeta,

Orador, e outros que tais;

Néscios o que entendem menos

E os que celebram mais...


MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE



« A amizade é um amor que não comunica

pelos sentidos ... Ramón C.y Campoosorio »




As Amoras - Sophia de Mello B. Andresen



AS AMORAS...


O meu país sabe às amoras bravas no

verão.

Ninguém ignora que não é grande,

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce de quem acorda

para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez nem

goste dele, mas quando um amigo me traz

amoras bravas os seus muros parecem-me

brancos, reparo também que no meu país

o céu é azul...


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN


« Sede felizes; os amigos desaparecem quando

somos infelizes... Eurípedes! »

Sunday, July 1, 2007


Sardinhas e Lua - Altino M.do Tojal




SARDINHAS E LUA

O menino tinha faces terrosas e grandes olhos acesos.

Enquanto a mãe formigava longe, desentranhando o pregão, ele mantinha-se à

porta de casa, os pés unidos e as mãos nos joelhos, como um faraozinho.

Galinhas activas e cães tristes erravam pela calçada, gatos preguiçavam nos

telhados , o mulherio lavava roupa no tanque público. Mas, quando chovia,não

se viam lavadeiras, nem galinhas, nem gatos -- só um ou outro cão triste.

O empedrado reluzia friamente sob a chuva e o enxurro arrastava pela valeta,

diante do menino, esqueletos e cabeças de sardinha; também arrastava outras

imundícies, mas o que feria mais a atenção eram os despojos de sardinha.

Ao anoitecer, a mãe do menino regressava com o tabuleiro vazio.

-- Vendi as "sadinhas" todas, jóia! Todas! Só trago a tua -- dizia ela ao menino,

amorosamente, agachando-se para lhe dar a mão.

Sem dizer nada, o menino descolava o rabito da soleira fria e entrava em casa,

em passos curtinhos, pela enorme mão da mãe.

-- Vou já fritar a tua "sadinhinha" -- a mãe pousava o tabuleiro, acendia o

lume. -- Tens muita fome, jóia?

Não tardariam os homens grandes. O menino sabia; e olhava medrosamente

para a porta da rua, enquanto a mãe deixava escorrer um fio de azeite na

na sertã.

-- Tens muita fome, jóia?

Diante do lume, com a saia preta tremeluzente de escamas, a mãe parecia um

firmamento.

E o menino, numa lamúria, entre dois bocejos: -- Mãe, vamos numir...

Já os homens grande perpassavam lá fora, espreitando.

-- Pronto, jóia -- a mãe tirava, com o garfo, a sardinha da sertã.

-- Com pãozinho sim? Vê lá se te pelas!

Os homens grandes iam entrando, silenciosamente.

Trémulo, o menino soprava a sardinha jacente num tracalhaz de broa, para a

esfriar, e pedia: -- Mãe deixa-me tomer a sadinha lá fora...

E os homens grandes à espera, silenciosos, expelindo fumaças para o tecto.

Uma prisca saía voando, a piparote, logo morrendo em faúlas no escuro.

Pois sim, jóia; mas tem cuidado, não te calquem os pezinhos -- recomendava a

mãe. E entre beijos chilreados, à orelha do menino:

-- Eles hoje vão embora cedo, vais ver.

-- Sim, mãe.

E o menino, em passos curtinhos, ia sentar-se outra vez à soleira da porta, com

a sua sardinha no seu tracalhaz de broa. Antes de se aferrolhar no quarto com

o primeiro dos homens grandes, a mãe olhava risonhamente o menino e o

menino, semivoltado, olhava seriamente a mãe.

Mas logo da rua surgia um gato -- muito afoito, mesmo arrogante, cauda no

ar, a exigir.

-- Olá, miau!... -- dizia o menino ao gato, afagando-lhe o lombo veludíneo.

E dava-lhe da sua sardinha.

Depois, manquitando, acercava-se o cão -- tristonho, humilde, cauda entre as

patas, a suplicar .

-- Olá, ão-ão!... -- e, acariciando o focinho sofredor do cão, o menino dava-lhe

da sua sardinha.

Até que a Lua despontava, branca e gorda, no negrume dos telhados.

-- Olá, Luinha!... -- sorrindo, o menino oferecia à Lua o resto da sua sardinha

nas mãozitas estendidas, como num prato.

A Lua sorria também ao menino, que julgava ouvi-la dizer:

-- Tome tu, menino.

O que sossegava o menino. A Lua tinha as faces cheias e o menino tinha-as

cavadas. A Lua não era como ele, nem como o cão, nem como o gato. A Lua

devia comer muitas sardinhas.

Com a consciência tranquila, o menino punha-se a esbichar o resto da

sardinha, chupando gulosamente os dedos. No fim comeria o pão.

Erguia amiúde os olhos à Lua, já alta, e sorria-lhe. Eram muito amigos.

E lá ficava a sorrir-lhe, arrotando à sardinha, na frigem da soleira, cada vez

mais absorto, cada vez mais faraozinho.

Nem dava pelos homens grande que saíam, assim como nunca dectetava a

sapateta crescente dos que iam chegando. E um tacão crudelíssimo, um tacão

retardatário calcava invariavelmente os seus pezitos unidos, arroxeados, nus.

Que grito!...

E o menino chorava enquanto sentisse as dores deitando cuspe nos pezitos

-- único remédio que conhecia.

Vinha o cão -- tristonho, cabisbaixo, a manquitar -- e lambia-lhe os pezitos,

a cara reluzente de lágrimas, de novo os pezitos. Rebujando, o menino afagava

a contrapelo o cão que o lambia e olhava medrosamente para dentro, onde

alguns homens grandes estavam ainda à espera. Depois, água nos olhos,

sacudido por impos, fitava outra vez a Lua, numa queixa muda, até o último

dos homens grandes sair.

-- Anda, jóia vamos "numir" -- a mãe curvava-se para o menino, sem abotoar

a blusa, sem compor a cabeleira -- Viste como hoje foi depressa, viste?

O menino abraçava-a contente, triunfante; e, sobre aquele ombro morno,

dentado, nu, erguia um olharzito radioso à Lua, um último, para que a Lua

soubesse: -- Ele, o homem pequenino, iria "numir" toda a noite com a mãe!

Toda a noite!...

Mais tarde chovia; e a aguaça, correndo impetuosamente pela valeta,

arrastava consigo os despojos da sardinha, em promiscuidade com outras

imundícies.


ALTINO M. DO TOJAL