Monday, September 15, 2008

CORPO RENASCIDO - MANUEL ALEGRE






Corpo renascido

canção.

Toco-te e respiras

sangue do meu sangue.


II

Cantando é como se dissesse: estou aqui.

Cantando eu nego o que me nega

acto de amor

coração perpendicular ao tempo.


III

Cantando é como se dissesse: estou aqui

na multidão que está dentro de mim.

Recuso a morte cantando

recuso a solidão.


IV

Canção casa do mundo

viagem do homem para o homem

meu pedaço de pão rosa de maio

criança a rir na madrugada.


V

Cavalos correm nos teus campos

crinas ao vento

são os cavalos indomáveis que te levam

aos quatro cantos do mundo.


VI

Lá onde um homem tiver sede

levarás teus cântaros

lá onde um homem tiver fome

levarás teu pão.


VII

Lá onde a liberdade foi assassinada

os teus cavalos livres levarás

e a espada refulgente

levarás ao teu sol canção.


VIII

Folha a folha desfolhada

folha a folha renascida

assim tu és canção:

viagem do homem para o homem.


MANUEL ALEGRE






Sunday, August 31, 2008

Vangelis - Prelude

Música e paisagem verdadeiramente repousante!

Thursday, August 28, 2008

NASCIMENTO - MIGUEL TORGA






Coimbra, 3 de Outubro


NASCIMENTO


Nascem os homens como deuses pobres:

Nus e de um ventre que desesperou

De os guardar

Sagrados e secretos no seu lago.

Nascem disformes, sem nenhum afago

Da raiva desabrida que os expulsa

E das mãos aterradas que os recebem.

Bebem

O ar do mundo aos gritos.

Olham sem ver, e são

Surdos e Transitórios

Da nossa Devoção.


MIGUEL TORGA

(pseudónimo)


ADOLFO CORREIA ROCHA



Friday, August 15, 2008

Mireille Mathieu J'aime Paris en Colere

Belle chanson!

Gilbert Bécaud - L'important c'est la rose

Maravilhosas canções de Gilbert Bécaud.

Answer me my love - Nat King Cole

Answer Me-Uma das mais belas canções de Nat King Cole.

NAPOLEÃO


O profeta predisse a ascensão de Napoleão, que descreveu como

o primeiro Anticristo (o segundo seria Hitler e um terceiro ainda,

aparentemente, está para vir).

Da subida de Napoleão ao Poder e dos anos da sua vida durante

os quais seria imperador escreveu:


« Um imperador nascerá junto de Itália

que custará mais caro ao Império. »


Napoleão custou incontestavelmente muito à França, tanto em

homem como em força política, até à sua queda final.


Saturday, July 26, 2008

ABRIR MÃO DOS SONHOS? - DELASNIEVE DASPET





ABRIR MÃO DOS SONHOS??


Pretendo fazer algumas mudanças

Jogar fora o irrealizável.

Preciso fazer uma faxina,

Mas como é difícil.


II

Acumulei tantas coisas durante a vida...

Sonhos sem utlidades,

Tanta tranqueira a ser jogada,

Absolutamente dispensáveis.


III

Afinal, -- do que preciso?

Deixei tantos projetos pelos caminhos:

Viagens que não fiz;

Férias nunca gozadas,

Um lugar para curtir...


IV

Pretendo mudar...

Vou esquecer a nostalgia que consome.

Não mais invejar os que sabem viver


Vou sair do casulo,

Esquecer a infância,

Não acumular saudades.


V

Pretendo jogar fora cartas,

Postais, bilhetes, a foto do Elvis,

Panelas sem cabos, xícaras quebradas,

Fotos de momentos fugazes,

Flores secas no meio dos livros,

Bilhetes amarelos manchados de lágrimas...


VI

Vou me livrar das lembranças e souvenires.

Vou re-escrever o meu roteiro.

Viver uma nova vida.


VII

Acumulei coisas demais pelo caminho...

Tenho um coração repleto,

A mente cheia de coisas desnecessárias.


VIII

Hoje sei que preciso apenas da caneta,

Do papel, do por do sol, da água cristalina,

Do vento sul, das matas de cerrado

De um triste rictos, da poesia...


XIX

Vou me perder pelas estradas,

Subir ou descer a escada do tempo,

Levando uma vida espartana.

Mas não abrirei mão de meus sonhos

Que ainda me fazem menina...


Deslasnieve Daspet

( VIDA )



Wednesday, July 23, 2008

FRIDA KAHLO






Magdalena Carmen Frida Kahlo (nascida em Coyoacán, México, em

6 de Julho de 1907 - falecida em Coyoacán, 13 de Julho de 1954)

foi uma pintora mexicana.


BIOGRAFIA



Filha do fotógrafo judeu-alemão Guilhermo Kahlo e de Matilde

Calderón e Gonzalez, uma mestiça mexicana. Em 1913, com seis

anos, Frida contrai poliomielite, sendo esta a primeira de uma

série de doenças, acidentes, lesões e operações que sofre ao lon-

go de sua vida. A poliomielite deixa uma lesão no seu pé direito

e , graças a isso, ganha o apelido "Frida pata de palo" (ou seja,

Frida perna de pau). A partir disso ela começou a usar calças e

depois, longas e exóticas saias, que vieram a ser uma de suas

marcas pessoais.


Ao contrário de muitos artistas, Kahlo não começou a pintar

cedo. Embora o seu pai tivesse a pintura como um passatempo,

Frida não estava particularmente interessada na arte como uma

carreira.


Entre 1922 e 1925 frequenta a Escola Nacional Preparatória do

Distrito Federal do México e assiste a aulas de desenho e mode-

lado.


Em 1925, aos 18 anos aprende a técnica da gravura com Fernando

Fernandez. Porém sofreu um grave acidente. Um autocarro no

qual viajava chocou com um comboio, acidente que fez a artista

ter de usar vários coletes ortopédicos de materiais diferentes,

chegando inclusive a pintar alguns deles (por exemplo o colete de

gesso intitulado "a coluna partida"). Por causa desta última tragé-

dia fez várias cirurgias e ficou muito tempo acamada.

Durante a sua longa convalescência começou a pintar, com uma

caixa de tintas que pertenciam ao seu pai, e com um cavalete

adaptado à cama.


Em 1928 quando Frida Kahlo entra no "Partido comunista mexi-

cano", ela conhece o muralista Diego Rivera, com quem se casa

no ano seguinte. Sob a influência da obra do marido, adoptou o

emprego de zonas de cor amplas e simples num estilo proposita-

damente reconhecido como ingênuo.

Procurou na sua arte afirmar a identidade nacional mexicana,

por isso adotava com muita frequência temas do folclore e da arte

popular do México.


Entre 1930 e 1933 passa a maior parte do tempo em Nova Iorque

e Detroit com Rivera. Entre 1937 e 1939 Leon Trotski vive em sua

casa de Coyoacan.

Em 1938 André Breton qualifica sua obra de surrealista em um

ensaio que escreve para a exposição de Kahlo na galeria Julien

Levy de Nova Iorque. Não obstante, ela mesma declara mais

tarde: "pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era.

Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade".


Em 1939 expõe em Paris na galeria Renón et Colle. A partir de

1943 dá aulas na escola La Esmeralda, no D.F. (México).


Em 1953 a Galeria de Arte Contemporânea desta mesma cidade

organiza uma importante exposição em sua honra.


Alguns de seus primeiros trabalhos incluem o "Auto-retrato em

um vestido de veludo" (1926), "retrato de Miguel N. Lira" (1927),

"retrato de Alicia Galant" (1927) e retrato de minha irmã Christi-

na" (1928).



FALECIMENTO


Depois de algumas tentativas de suicídio, em 13 de Julho de 1954,

Frida Kahlo foi encontrada morta. Seu atestado de óbito registra

embolia pulmonar como causa da morte. Mas não se descarta que

ela tenha morrido de overdose, que pode ter sido acidental ou

não. A última anotação em seu diário que diz:

"Espero que minha partida seja feliz, e espero nunca mais re-

tornar - Frida" permite aventar-se a hipótese de suicídio.


Diego Rivera descreveu em sua auto-biografia que o dia da mor-

te de Frida foi o mais trágico da sua vida.


CASA AZUL, O MUSEU


Quatro anos após a sua morte, sua casa familiar conhecida como

"Casa Azul" transforma-se no Museu Frida Kahlo. Trata-se de

uma exposição de Frida Kahlo. Frida Kahlo, reconhecida tanto

por sua obra quanto por sua vida pessoal, ganha retrospectiva

de suas obras, com objectos e documentos inéditos, além de

fotografias, desenhos, vestidos e livros.
ana/eu!
















Thursday, July 17, 2008

O QUE ME DÓI - FERNANDO PESSOA







O QUE ME DÓI ...


O que me dói não é


O que há no coração


Mas essas coisas lindas


Que nunca existirão...


São as formas sem forma


Que passam sem que a dor


As possa conhecer


Ou as sonhar o amor.


São como se a tristeza


Fosse árvore e, uma a uma,


Caíssem suas folhas


Entre o vestígio e a bruma


FERNANDO PESSOA


Monday, July 14, 2008

Louis Armstrong What a Wonderful World

LOUIS ARMSTRONG, um extraordinário músico-cantor, cuja excelente interpretação é, presentemente, uma referência obrigatória pela herança que nos legou.

Ó SINO DA MINHA ALDEIA - FERNANDO PESSOA







Ó sino da minha aldeia

dolente na tarde calma,

cada tua badalada

soa dentro da minha alma...


II

E é tão lento o teu soar,

tão como triste da vida,

que já a primeira pancada

tem o som de repetida.


III

Por mais que me tanjas perto,

quando passo, sempre errante,

és para mim como um sonho,

soas-me na alma distante.


IV

A cada pancada tua,

vibrante no céu aberto,

sinto o passado mais longe,

sinto a saudade mais perto...

FERNANDO PESSOA



Friday, July 11, 2008

CANÇÃO A CAMINHO DO CÉU - CECÍLIA MEIRELES






Canção a caminho do céu

I

Foram montanhas? foram mares?

foram os números...? - não sei.

Por muitas coisas singulares,

não te encontrei.


II

E te esperava, e te amava,

e entre os caminhos me perdi.

Foi nuvem negra? maré brava?

E era por ti!


III

As mãos que trago, as mãos são estas.

Elas sozinhas te dirão

se vem de mortes ou de festas

meu coração.


IV

Tal como sou, não te convido

a ires para onde eu for.


V

Tudo o que tenho é haver sofrido

pelo meu sonho, alto e perdido,

- e o encantamento arrependido

do meu amor.

CECÍLIA MEIRELES






DA MINHA JANELA - FLORBELA ESPANCA




Da Minha Janela

I

Mar alto! Ondas quebradas e vencidas

Num soluçar aflito e murmurando...

Ovo de gaivotas, leve, imaculado,

Como neves nos píncaros nascidas!


II

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,

Batendo ainda num arfar pausado...

Ó meu doce poente torturado

Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!


III

Meu verso de Samain cheio de graça,

Inda não és clarão já és luar

Como branco lilás que se desfaça!


IV

Amor! teu coração trago-o no peito...

Pulsa dentro de mim como este mar

Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...


FLORBELA ESPANCA







Sunday, July 6, 2008

SER POETA - FLORBELA ESPANCA








SER POETA

Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens. morder como quem beija

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do reino de Aquém e de Além Dor!


II

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!


III

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

É condensar o mundo num só grito!


IV

E é amar-te, assim perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

FLORBELA ESPANCA






Tuesday, July 1, 2008

MEMORY - BARBARA STREISAND

Maravilhosa canção.Voz inconfundível.
Beleza ímpar!

BRASIL - MIGUEL TORGA

BRASIL

Pátria de imigração
É num poema que posso ter.
A terra - possessiva inspiração
E os rios - como versos a correr.

II
Achada na longínqua meninice,
Perdida na perdida juventude,
Guardei-te como podia:
na doce quietude
Da força represada de poesia.

III
E assim consigo ver-te
Como te sinto:
Na doirada moldura de lembrança
O retrato da pura imensidade
A que dei a possível semelhança
Com palavras e rimas de saudade!

Miguel Torga

Sunday, June 22, 2008

FICHA - MIGUEL TORGA





FICHA


Poeta, sim, poeta...

É o meu nome.

Um nome de baptismo

Sem padrinhos...

O nome do meu próprio nascimento...

O nome que ouvi sempre nos caminhos

Por onde me levava o sofrimento...


II

Poeta, sem mais nada.

Sem nenhum apelido.

Um nome temerário,

Que enfrenta, solitário,

A solidão.

Uma estranha mistura

De praga e de gemido à mesma altura.

O eco de uma surda vibração.


III

Poeta, como santo, ou assassino, ou rei.

Condição,

Profissão,

Identidade,

Numa palavra só, velha e sagrada,

Pela mão do destino, sem piedade,

Na minha própria carne tatuada...

MIGUEL TORGA


VIAGEM - MIGUEL TORGA







VIAGEM

Aparelhei o barco da ilusão

E reforcei a fé de marinheiro.

Era longe o meu sonho, e traiçoeiro

O mar...

(Só nos é concedida

Esta vida

Que temos:

E é nela que é preciso

Procurar

O velho paraíso

Que perdemos).


II

Prestes, larguei a vela

E disse adeus ao cais, à paz tolhida.

Desmedida,

A revolta imensidão

Transforma dia a dia a embarcação

Numa errante e alada sepultura...

Mas corto as ondas sem desanimar.

Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar!

MIGUEL TORGA


Saturday, June 21, 2008

O MUNDO É GRANDE - CARLOS D.DE ANDRADE






O mundo é grande e cabe

nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe

na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe

no breve espaço de beijar...


CARLOS D.DE ANDRADE





Saturday, June 14, 2008

La Bohème

Maravilhosa canção de Charles Aznavour.
Merci.

Monday, June 9, 2008

SERRA - MÃE - Sebastião da Gama








SERRA - MÃE


Quando eu nasci,

ficou tudo como estava,

Nem homens cortaram veias,

nem o Sol escureceu,

nem houve Estrelas a mais...

Somente,

esquecida das dores,

a minha Mãe sorriu e agradeceu.


II

Quando eu nasci,

não houve nada de novo

senão eu.


III

As nuvens não se espantaram,

não enlouqueceu ninguém...



P'ra que o dia fosse enorme

bastava

toda a ternura que olhava

nos olhos de minha Mãe...


Sebastião da Gama


O SONHO - Sebastião da Gama




O SONHO


Pelo Sonho é que vamos,

comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?

Haja ou não haja frutos,

pelo sonho é que vamos.


II

Basta a fé no que temos,

Basta a esperança naquilo

que talvez não teremos.

Basta que a alma demos,

com a mesma alegria,

ao que desconhecemos

e do que é do dia-a-dia.


III

Chegamos? Não chegamos?


-- Partimos. Vamos. Somos!


Sebastião da Gama


Sunday, June 8, 2008

Gilbert Becaud - Nathalie (1964)

Voz excelente.
Ontem. hoje e sempre!

Sunday, May 18, 2008

cançao de embalar - zeca afonso

Encantadora canção de Zeca Afonso que nos deixou imensa saudade.

Thursday, April 24, 2008

Poesia - FERNANDO PESSOA








Ao longe, ao luar,

No rio uma vela

Serena a passar

Que é que me revela?


II

Não sei, mas meu ser

Tornou-se-me estranho,

E eu sonho sem ver

Os sonhos que tenho.


III

Que angustia me enlaça?

Que amor não se explica?

É a vela que passa

Na noite que fica...


FERNANDO PESSOA

Monday, April 7, 2008

Aurora - Adolfo Casais Monteiro



AURORA

I

A poesia não é voz -- é uma inflexão.

Dizer, diz tudo a prosa. No verso

nada se acrescenta a nada, somente

um jeito impalpável dá figura

ao sonho de cada um, expectativa

das formas por achar. No verso nasce

à palavra uma verdade que não acha

entre os escombros da prosa o seu caminho.

E aos homens um sentido que não há

nos gestos nem nas coisas:


II

vôo sem pássaro dentro.


ADOLFO CASAIS MONTEIRO

Friday, February 29, 2008

Da minha Janela - Florbela Espanca




Mar alto! Ondas quebradas e vencidas

Num soluçar aflito e murmurado...

Ovo de gaivotas, leve, imaculado,

Como neves nos píncaros nascidas!


II

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,

Batendo ainda num arfar pausado...

Ó meu doce poente torturado

Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!


III

Meu verso de Samain cheio de graça,

Inda não és clarão já és luar

Como branco lilás que se desfaça!


IV

Amor! Teu coração trago-o no peito...

Pulsa dentro de mim como este mar

Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...


Florbela Espanca

Saturday, February 9, 2008

Mar Manhã - Fernando Pessoa


Suavemente grande avança

Cheia de sol a onda do mar;

Pausadamente se balança,

E desce como a descançar


II

Tão lenta e longa que parece

De uma criança de Titã

O glauco seio que adormece,

Arfando à brisa da manhã.


III

Parece ser um ente apenas

Este correr da onda do mar,

Como como uma cobra que em serenas

Dobras se alongue a colear.


IV

Unido e vasto e interminável

Não são sossego azul do sol,

Arfa com um mover-se estável

O oceano ébrio de arrebol.


V

E a minha sensação é nula,

Quer de prazer, quer de pesar...

Ébria de alheia a mim ondula

Na onda lúcida do mar.


FERNANDO PESSOA




Tuesday, February 5, 2008

Cecília Meireles


Venturoso Sonhar-te - Cecília Meireles

Venturosa de sonhar-te,
à minha sombra me deito.
(Teu rosto, por toda a parte,
mas, amor, só no meu peito!)
II
- Barqueiro, que céu tão leve!
Barqueiro, que mar parado!
Barqueiro, que enigma breve,
o sonho de ter amado!
III
Em barca de nuvem sigo:
e o que vou pagando ao vento
para levar-te comigo
é suspiro e pensamento.
IV
- Barqueiro, que doce instante!
Barqueiro, que instante imenso,
não do amado nem do amante:
mas de amar o amor que penso!
Cecília Meireles

Friday, February 1, 2008

Ciganos - Miguel Torga

Tudo o que voa é ave
Desta janela aberta
A pena que se eleva é mais suave
E a folha que plana é mais liberta.
II
Nos seus braços azuis o céu aquece
Todo o alado movimento.
É no chão que arrefece
O que não pode andar no firmamento.
III
Outro levante, pois, ciganos!
Outra tenda sem pátria e mais além
Desumanos
São os sonhos, também ...
Miguel Torga

Saturday, January 26, 2008

A rua dos cataventos - Mário Quintana




A rua dos cataventos


Da vez primeira em que me assassinaram,

Perdi o jeito de sorrir que eu tinha.

Depois, a cada vez que me mataram,

Foram levando qualquer coisa minha.


II


Hoje, dos meus cadáveres eu sou

O mais desnudo, o que não tem mais nada.

Arde um toco de Vela amarela,

Como o único bem que ficou.


III


Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!

Pois dessa mão avaramente adunca

Não haverão de arrancar a luz sagrada.


IV


Aves da noite! Asas do horror! Voejai!

Que a luz trêmula e triste como um ai,

A luz de um morto não se apaga nunca!


Mário Quintana

Tuesday, January 22, 2008

Thursday, January 17, 2008

Queimada - Francisco Bugalho




Lenta, ondulante, latente,

Fulgurante ou decadente,

A longa queimada vem,

Na faixa do horizonte.


II

Avança desde o poente,

Enche a noite e cala a fonte.


III

Tudo se cala, se encerra,

Em volta na escuridão,

Toda a paisagem se aterra,

Não há estrela na amplidão:

- Que o lume, raso se aterra

Matou-lhe a cintilação.


IV

Há cheiro a palha queimada,

A matos secos ardendo,

Gritos soando, na noite,

À caça, louca, correndo,

Sem saber onde se acoite,

À espera da madrugada!

Francisco Bugalho