Thursday, November 29, 2007

Fernando Pessoa




Desperta com o sol, com a madrugada,

Desperta com o dia que aparece;

Sê com o orvalho e a luz recém-nascida

Mas, ao contrário deles, permanece.


2

As névoas se desprendem do que és;

Elas são só o que podemos ver.

Vem e entra nos nossos corações

E deixa aí a vida acontecer.


3

A manhã pertence ao mundo vazio;

Os homens aqui não chegam tão cedo.

Vem e deixa a vida desprender-se

Lenta, de ti, tal como o medo.


4

E em teu ser terrível nada mais:

Apenas tu, sem corpo ou alma, assim.

Verte o teu bálsamo na fronte triste

E faz a esperança cumprir-se em mim!


FERNANDO PESSOA


Wednesday, November 28, 2007

Monday, November 26, 2007

NATAL


O NATAL E CHARLES DICKENS




Muitos Natais felizes, muitos Anos Novos prósperos.


Eternas amizades, alegres recordações e


afectos na Terra, e o Céu para todos nós.


* * *


« ... à medida que avançamos na idade, sejamos

mais gratos pela expansão do círculo das nossas

relações de Natal e pelas lições com que

elas nos presenteiam!

Demos as boas-vindas a cada uma delas e,

convidêmo-las a tomar o seu lugar à beira da

lareira natalícia...

CHARLES DICKENS

Merry Christmas













Sunday, November 11, 2007


Ao Longe - Ricardo Reis






Ao longe os montes têm neve ao sol,

Mas é suave já o frio calmo

Que alisa e agudece

Os dardos do sol alto.


II


Hoje, Neera, não nos escondamos,

Nada nos falta, porque nada somos.

Não esperamos nada

E termos frio ao sol.


III


Mas tal como é, gozemos o momento,

Solenes na alegria levemente,

E aguardando a morte

Como quem a conhece


****

Ricardo Reis heterónimo

de Fernando Pessoa












Estrela d'Alva - Zéca Afonso




Dorme meu menino a estrela d'alva

Já a procurei e não a vi

Se ela não vier de madrugada

Outra que eu souber será pra ti


II


Outra que eu souber na noite escura

Sobre o teu sorriso de encantar

Ouvirás cantando nas alturas

Trovas e cantigas de embalar


III


Trovas e cantigas muito belas

Afina a garganta meu cantor

Quando a luz se apaga na janela

Perde a estrela d'alva o seu fulgor


IV


Perde a estrela d'alva pequenina

Se outra vier para a render

Dorme que ainda a noite é uma menina

Deixa-a vir também adormecer.


Zéca Afonso










Monday, November 5, 2007

Intimidade - Antero de Quental






Quando, sorrindo, vais passando, e toda

Essa gente te mira cobiçosa,

És bela -- e te não comparo à rosa,

É que a rosa, bem vês, passou de moda...


II


Anda-me às vezes a cabeça à roda,

Atrás de ti também, flor caprichosa !

Nem pode haver, na multidão ruidosa,

Coisa mais linda, mais absurda e doida.


III


Mas e na intimidade e no segredo,

Quando tu coras e sorris a medo,

Que me apraz ver-te e que te adoro, flor !


IV


E não te quero nunca tanto (ouve isto)

Como quando por ti, por mim, por Cristo,

-- mentindo -- que me tens amor...


Antero de Quental

Wednesday, October 31, 2007

Poesia Inglesa II - Fernando Pessoa





Desperta com o sol, com a madrugada,

Desperta com o dia que aparece;

Sê como o orvalho e a luz recém-nascida

Mas, ao contrário deles, permanece.


II


As névoas se desprendem do que és;

Elas são só o que podemos ver.

Vem e entra nos nossos corações

E deixa aí a vida acontecer.


III


A manhã pertence ao mundo vazio;

Os homens aqui não chegam tão cedo.

Vem e deixa a vida desprender-se

Lenta, de ti, tal como o medo.


IV


E em teu ser terrível nada mais:

Apenas tu, sem corpo ou alma, assim.

Verte o teu bálsamos na fronte triste

E faz a esperança cumprir-se em mim !


Fernando Pessoa









Poema de Tradição Popular in Os Poetas Lusíadas






Chamaste-me tua vida,

Eu tua alma quero ser,

A vida acaba com a morte,

A alma não pode morrer.


II


O meu coração do teu

É muito ruim de apartar;

É como a alma do corpo,

Quando a morte a quer levar!


III


Já morri, já me enterrei !

E agora já estou aqui.

Nem a terra me comia

Sem eu me despedir de ti !


IV


Ó noite que vais crescendo,

Tão cheia de escuridão,

Tu és a flor mais bela

Dentro do meu coração !


Os Poetas Lusíadas

Cancioneiro Popular - in Os Poetas Lusíadas







Esta Noite choveu oiro

Diamantes orvalhou

Lá vem o sol com seus raios

Enxugar quem alagou.


II


A raiz da faia forte

A terra vai aluindo;

Vosso corpo vai crescendo,

Vossas feições vão abrindo.


III


Já chove água das nascentes

Já correm os regatinhos;

Já os campos são contentes,

Já cantam os passarinhos.


Os Poetas Lusíadas













Tuesday, October 30, 2007

Fernando Pessoa




Isto* - Fernando Pessoa






Dizem que finjo ou minto

Tudo o que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.


II


Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.


III


Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!


Fernando Pessoa

Liberdade - Fernando Pessoa





Ai que prazer

Não cumprir um dever,

Ter um livro para ler

E não o fazer.

Ler é maçada.

Estudar é nada.

O sol doira

Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,

Sem edição original.

E a brisa, essa,

De tão naturalmente matinal,

Como o tempo não tem pressa...


II


Livros são papéis pintados com tinta.

Estudar é uma coisa que está indistinta

A distinção entre nada e coisa nenhuma

Quanto é melhor, quando há bruma,

Esperar por D. Sebastião,

Quer venha ou não!


III


Grande é a poesia a bondade e as danças...

Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música o luar, e o sol, que peca

Só quando, em vez de criar, seca

O mais do que isto

É Jesus Cristo

Que não sabia nada de finanças

Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa








Monday, October 29, 2007

Antero de Quental




Na Mão de Deus - Antero de Quental





Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão.

Desci a passo e passo a escada estreita.


II


Como as flores mortais, com que se enfeitam

A ignorância infantil, despojo vão,

Depus do Ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.


III


Como criança, em lôbrega jornada,

Que a mãe leva ao colo agasalhada

E atravessa, sorrindo vagamente,


IV


Selvas, mares, areias do deserto...

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na mão de Deus eternamente!


Antero de Quental


Bicicleta de Recados - Manuel Alegre







Na minha bicicleta de recados

eu atravesso a madrugada dos poemas

pedalo nas palavras atravesso as cidades

bato às portas das casas e vêm homens espantados

ouvir o meu recado ouvir a minha canção.


II


Na minha bicicleta de recados

eu vou pelos caminhos.

Vem gente para a rua a ver a novidade

como se fosse a chegada

do João que foi à Índia

e era o moço mais galante

que havia nas redondezas.

Eu não sou o João que foi à Índia

Mas trago todos os soldados que partiram

e as cartas que não escreveram

e as saudades que tiveram

na minha bicicleta de recados

atravessando a madrugada dos poemas.


III


Desde o Minho ao Algarve

eu vou pelos caminhos.

E vêm homens perguntar se houve milagre

perguntam pela chuva que já tarda

perguntam pelos filhos que foram à guerra

perguntam pelo sol perguntam pela vida

e vêm homens espantados às janelas

ouvir o meu recado ouvir a minha canção.


III


Porque eu trago notícias de todos os filhos

eu trago a chuva o sol e a promessa dos trigos

eu trago a vida

na minha bicicleta de recados

atravessando a madrugada dos poemas.


Manuel Alegre





Sunday, October 28, 2007

Poema XVI - António de Navarro







Uma nota solta

De não sei que música

Vagueia de flor em flor

Como abelha de som.


II


Não lhe sei a cor,

Não lhe sei o tom,

-- Deve ser esquiva e nívea

E faltar com certeza.


III


Ao compositor e poeta

Que sonhou a perfeição

E a beleza

Sem mácula, que lhe adoece

De a buscar o coração.


IV


Ah, se ela quisesse

Aninhar-se na minha alma! ...


António de Navarro











Citações do Tema Riqueza...





« A riqueza tem as suas vantagens, já a pobreza,

embora tenha feito algumas tentativas nesse sentido,

nunca provou ser vantajosa

Galbraith, John


...

As esplêndidas fortunas - como os ventos impetuosos

- provocam grandes naufrágios

Plutarco


...

Queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar

os teus bens, mas sim em diminuir a tua cobiça

Plutarco


...

A riqueza pode servir ou governar o seu possuidor

Horácio


...


Admira-se o talento, a coragem, a bondade, as grandes

dedicações e as provas difíceis, mas só temos

consideração pelo dinheiro.

Chamfort, Sébastien-Roch


...

O homem rico tem comensais ou parasitas, o homem

poderoso, cortesãos, o homem de acção,

camaradas, que também são amigos

Maurois, André


...

Os bens da terra apenas servem para escavar a

alma e aumentar-lhe o vazio

Chateaubriand, François


...

Os meios que tornam um homem susceptível de

fazer fortuna são os mesmos que o

impedem de gozar

Rivarol, Antoine


...

A riqueza influencia-nos como a água do mar.

Quanto mais bebemos mais sede temos

Schopenhaeur, Arthur


...

O que é a abundância? Um nome nada mais;

ao sensato basta o necessário

Eurípedes


...

Nada é mais cobarde do que riqueza

Aristófenes


...

A pobreza não tira a nobreza a ninguém,

a riqueza sim

Boccacio, Giovanni


...

A súbita pobreza abriu-lhe os olhos, que a

riqueza lhes havia mantido fechados »

Boccacio, Giovanni










Saturday, October 27, 2007

Miguel Torga - Pseudónimo do médico Dr. Adolfo Rocha - Natural de Trás-os-Montes





Ariane - Miguel Torga





Ariane é um navio.

Tem mastros, velas e bandeira à proa

E chegou num dia branco, frio,

A este rio Tejo de Lisboa.


II

Carregado de Sonho, fundeou

Dentro da claridade destas grades...

Cisne de todos, que se foi, voltou

Só para os olhos de quem tem saudades.


III

Foram duas fragatas ver quem era

Um tal milagre assim: era um navio

Que balança ali à minha espera

Entre as gaivotas que se dão no rio.


IV

Mas eu é que não pude ainda por meus passos

Sair desta prisão em corpo inteiro

E levantar âncora, e cair nos braços

De Ariane, o veleiro


Miguel Torga



Friday, October 26, 2007




O Menino da sua Mãe... Fernando Pessoa






No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado

-- Duas, de lado a lado --,

Jaz morto, e arrefece


II


Raia-lhe a farda o sangue.

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos.


III


Tão jovem ! que jovem era !

(Agora que idade tem ?)

Filho único, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera

« O menino da sua mãe »


IV


Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve.

Dera-lhe a mãe. Está inteira

E boa a cigarreira.

Ele é que já não serve.


V


De outra algibeira, alada

Ponta a roçar o solo.

A brancura embainhada

De um lenço ... Deu-lho a criada

Velha que o trouxe ao colo.


VI


Lá longe, em casa, há a prece:

« Que volte cedo, e bem !»

(Malhas que o Império tece !)

Jaz morto, e apodrece,

O menino da sua mãe.


Fernando Pessoa



































Citações - William Shakespeare





Thursday, October 25, 2007


(Albufeira, 28 de Agosto de 1975)

Liberdade - Miguel Torga






- Liberdade, que estais no céu...

Rezava o padre nosso que sabia,

A pedir-te humildemente,

O pão de cada dia.

Mas a tua bondade omnipotente

Nem me ouvia.


II


- Liberdade, que estais na terra...

E a minha voz crescia

De emoção,

Mas um silêncio triste sepultava

A fé ressumava

Da oração.


III


Até que um dia, corajosamente,

Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,

Saborear, enfim,

O pão da minha fome.

- Liberdade, que estais em mim,

Santificado seja o vosso nome.


Miguel Torga







Wednesday, October 24, 2007




Soneto do Amor difícil - David Mourão-Ferreira





A praia abandonada recomeça

logo que o mar se vai, a desejá-lo:

e como o nosso amor, somente embalo

enquanto não é mais que uma promessa...



II

Mas se na praia a onde se espedaça,

há logo nostalgia duma flor

que ali devia estar para compor

a vaga em seu rumor de fim de raça.



III

Bruscos e doloridos, refulgimos

no silêncio de morte que nos tolhe,

como entre o mar e a praia um longo molhe

de súbito surgido à flor dos limos.



IV

E deste amor difícil só nasceu

desencanto na curva do teu céu...


David Mourão-Ferreira




Gato - Fernando Pessoa




Gato que brincas na rua

Como se fosse na cama

Invejo a sorte que é tua

Porque nem sorte se chama.


II

Bom servo das leis fatais

Que regem pedras e gentes

Que tens instintos gerais

E sentes só o que sentes.


III

És feliz porque és assim

Todo o nada que és é teu

Eu vejo-me e estou sem mim

Conheço-me e não sou eu.


Fernando Pessoa







Pedro Soldado - Manuel Alegre





Já lá vai Pedro soldado

Num barco da nossa armada

E leva o nome bordado

Num saco cheio de nada.


II

Branca rola não faz ninho

Nas agulhas do pinheiro

Não é Pedro marinheiro

Nem o mar é seu caminho.


III

Nem anda a branca gaivota

Pescando peixes em terra

Nem é de Pedro essa roda

Dos barcos que vão à guerra.


IV

Onde não anda ceifeiro

Já o campo se faz verde

E em cada hora se perde

Cada hora que demora

Pedro no mar navegando.


V

Não é Pedro pescador

Nem no mar vindimador

Nem soldado vindimando

Verde vinha vendimada

Triste vai Pedro soldado.


Manuel Alegre


Monday, October 22, 2007


Citações - Eça de Queiroz





« Pensar e fumar são duas operações idênticas

que consistem em atirar pequenas nuvens ao vento


II

O apreço exterior pela arte é a sobrecasaca da

inteligência


III

A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação


IV

Os sentimentos mais genuinamente humanos logo

se desumanizam na cidade


V

Quem sem descanso apregoa a sua virtude, a si próprio

se sugestiona virtuosamente e acaba por ser às

vezes virtuoso


VI

Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos

mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal.

Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens

praticam todas as acções - mesmo as boas


VII

O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de

quem herdou a ubiquidade; e é não só o pai da

mentira, mas o pai da discórdia.


VIII

É o coração que faz o carácter


Eça de Queiroz