Tuesday, June 19, 2007

Este livro que vos deixo - ANTÓNIO ALEIXO !!!

O poeta António Aleixo, cauteleiro e guardador de rebanhos, cantor popular de feira em feira, pela redondezas de Loulé, é um caso singular, bem digno de atenção de quantos se interessam pela poesia.
Embora não totalmente analfabeto -- sabe ler e tem lido meia dúzia de bons
livros -- não é capaz, porém de escrever com correcção e a sua preparação intelectual não lhe dá certamente qualificação para poder ser considerado um poeta culto.
Todavia, há nos versos que constituem este livro uma correcção de linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar.
Além disso, o tom sentencioso da maior parte das quadras que se reuniram e o facto de serem produto de uma espontaneidade, quase inacreditável para quem não conheça pessoalmente o poeta, justificam suficientemente a tentativa de dar a conhecer e de registar, em livro, uma inspiração raríssima, que seria injusto não divulgar.

« Quem nada tem, nada come,
e ao pé de quem tem comer,
se alguém disser que tem fome,
comete um crime, sem querer.
Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
Uma mosca sem valor
poisa c'o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
Vem da serra um infeliz
vender sêmea por farinha;
passado tempo já diz:
-- esta rua é toda minha.
À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra
vendo a guerra em terra alheia
não querem que acabe a guerra.
Descreio dos que me apontem
uma sociedade sã:
isto é hoje o que foi ontem
e o que há-de ser amanhã.
Que importa perder a vida
em luta contra a traição
se a Razão mesmo vencida
não deixa de ser Razão.
O rato mete o focinho
sem pensar que faz asneira;
depois ou larga o toucinho,
ou fica na ratoeira.
Se o hábito faz o monge
e o mundo quer-se iludido,
que dirá quem vê de longe
um gatuno bem vestido?
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
Muito contra meu desejo,
sem lhe qu'rer dizer porquê,
finjo sempre que não vejo
quem finge que não me vê...
Por isso é sempre preciso,
p'ra nos livrarmos de p'rigos,
adular, ter um sorriso,
para os nossos inimigos...
Mas que inteligência rara!
E julgas-te uma competência!
Nem sei como tu tens cara
p'ra ter tanta inteligência!
Aqui não valho um vintém,
longe daqui sou dif'rente;
se vou onde vai alguém
às vezes pareço gente... »
ANTÓNIO ALEIXO
Ilustre Poeta Popular
« A amizade é como a urze uma
flor que não morre !!!

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