Saturday, June 23, 2007

Grito - David Mourão-Ferreira



GRITO...


Cedros, abetos,

pinheiros novos.

O que há no tecto

do céu deserto,

além do grito?

Tudo o que é nosso.



São os teu olhos

desmesurados,

lagos enormes,

mas concentrados

nos meus sentidos.

Tudo o que é nosso

é excessivo.



E a minha boca,

de tão rasgada,

corre o teu corpo

de pólo a pólo,

desfaz-te o colo

de espádua a espádua,

são os teus olhos,

depois do grito.



Cedros, abetos,

pinheiros novos.

É o regresso.

É o silêncio

de outro extremo

desta cidade

a tua casa.

É no teu quarto

de novo o grito.



E mais nocturna

do que nunca

a envergadura

das nossas asa.

Punhal de vento,

rosa de espuma:

morre o desejo

nasce a ternura.

Mas que silêncio

na tua casa...


DAVID MOURÃO-FERREIRA


« As virtudes perdem-se no interesse,

tal como os rios no mar! »

François La Rochefoucauld














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